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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #218 (António Guerreiro): Os jovens e os novíssimos

Quando hoje nos confrontamos com “Rumor Branco”, de Almeida Faria, publicado em 1962, tinha o autor 19 anos, temos de pensar que se trata de um livro de juventude; e que isso não é apenas uma circunstância da identidade civil do escritor mas algo que marca o romance e a que poderíamos chamar, com palavras alheias, “metafísica da juventude”. Grandes obras literárias, artísticas e filosóficas do início do século XX muito devem a esta metafísica da juventude. No nosso tempo, a juventude tornou-se um padrão comportamental e de consumo, mas desapareceu como categoria do espírito: não tem pretensões históricas (não interrompe nem desvia o curso do mundo) nem metafísicas (tornou-se mero objeto sociológico). No lugar da juventude está agora a novidade; em lugar dos escritores impregnados dessa força utópica, com um forte alcance político, que é a metafísica da juventude, temos agora “os novos”, que na versão superlativa são “os novíssimos”.  

Ainda há poucos dias ficámos a saber que o grupo editorial Leya tinha enviado ao Brasil uma delegação de “novíssimos autores”, com o apoio do Instituto Camões, que, pelos vistos, se sentiu mobilizado por uma operação comercial. A reportagem que Alexandra Lucas Coelho faz do acontecimento, no “Público”, é muito cruel: a imagem que dá dos “novíssimos” é a de que estão num tour de tagarelice pelo Brasil. “Novíssimos”, não emerge neles uma réstia de juventude, apenas de infantilidade. Lendo a reportagem, parece que regressaram à fase do chichi e do cocó. A ideia de uma metafísica da juventude está ligada a uma geração trágica delapidada pela guerra: os “novíssimos”, sem juventude nem metafísica, são também soldados de uma guerra em curso, sem grandeza nem tragédia, mobilizados para a batalha da novidade, com a linguagem que os velhos lhes forneceram, sem nenhuma conceção da História.

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 17.11.2012.

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